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O Que É Serviço Público?

Em um dos primeiros casos de promoção por mérito da história, a dinastia premiava, dentre os guerreiros, aqueles que matavam mais. Uma cabeça na batalha valia mais que mil sentenças no castelo. Era meritocracia na veia.

Confúcio

Um jogo rudimentar de palavras e já temos uma definição universal para o serviço público. Trata-se de servir ao público. Por esse atalho, o servidor, não servindo ao público, não serve para mais nada. Servos cerebrais e umbilicais do público, em regime de escravidão absoluta, é a definição apropriada. O que se lhe alheia, podemos chamar de tudo e de qualquer coisa, menos de serviço público.

Em resumos precipitados, muitos servidores públicos declaram servir à lei e à norma ou à interpretação que o Tribunal de Contas e a Advocacia da União dão a elas. Há os que servem ao chefe e ele que se vire para passar a ordem que sirva ao público. Há os que 'servem ao governo', que é a melhor forma de se servir com cargos e gratificações. Há os que 'servem ao Estado', na defesa de uma posição neutra que tem a ver com o interesse do público, mas que, igualmente, cria uma reserva de posição útil para escamotear interesses próprios ou de grupos insulados na administração.

São substitutivos convenientes de 'servir ao público' e seus usos são facilitados pela carga semântica elevada que acompanha as responsabilidades do servidor público.

Talvez tenha sido Confúcio, o sábio chinês, no século V antes de Cristo, o primeiro a estabelecer princípios para o serviço público, apesar da forte concorrência de contemporâneos gregos, os papas da filosofia à época em qualquer assunto. Na opinião de Confúcio, o interesse público deveria sempre prevalecer sobre o privado. Os dirigentes dos Estados teriam moral inatacável e suas decisões seriam justas, servindo ao público.

Pós Confúcio, o serviço público chinês passou pelo teste dos legalistas. Todos se submeteriam às leis, independente do cargo e da instituição. Por mais que tenha chegado na carroça da justiça, a verdade é que o eixo não era servir ao público, mas à lei.

A filosofia legalista foi adotada pela dinastia Qin, que uniu os chineses com o ferro e o fogo das leis. Os qins - ou chins, que parece ser a pronúncia - acharam, na lei, um jeito de dar um fim na autonomia dos feudos, centralizar a administração, criar moeda única, padronizar pesos e medidas, determinar a língua oficial, cobrar impostos. Em um dos primeiros casos de promoção por mérito da história, a dinastia premiava, dentre os guerreiros, aqueles que matavam mais. Uma cabeça na batalha valia mais que mil sentenças no castelo. Era meritocracia na veia.

Para substituir a gestão particular dos feudos, os chineses perceberam que precisavam de leis e servidores públicos concursados, principalmente os que cobravam impostos, os soldados, que já aprendemos para que servem, os educadores, os controladores da oferta de alimentos e os juízes.

Os Ptolomeus no Egito, tão centralizadores e legalistas quantos os qins, definiam, racionalmente, os objetivos do governo e os custos associados a eles.  Quanto mais baratos fossem, melhor para a sociedade, que pagaria menos imposto. Vê-se, de pronto, que não foi Matusalém o homem que mais viveu na história, mas, de longe, Joaquim Levy.

Desde o primeiro Ptolomeu, o Estado egípcio já se organizava em grandes áreas, de acordo com as premências da época. As relações com os países estrangeiros, a justiça interna, a tesouraria pública e o exército consumiam a maior parte dos esforços e dos serviços, que eram prestados pelo Estado e ao Estado.

Mais de mil anos depois, os mercantilistas não acreditavam em responsabilidades maiores do poder público. Deixasse a caravana do comércio seguir adiante, que tudo se resolvia. A felicidade dos mercantilistas chegaria ao povo, naturalmente.

Os fiscalistas ou cameralistas alemães acreditavam que a função pública era exercida por servidores titulares de conhecimentos econômicos, financeiros e jurídicos com o objetivo principal de proteger os bolsos do Estado. O histórico dos alemães quase nunca foi além das coisas do Estado, mas os cameralistas só pensavam naquilo. 

Em meados do século XIX, os ingleses, a partir do Relatório Comissão Northcote-Trevelyan, consolidaram vários argumentos que já se espalhavam pela Europa, em favor do serviço público baseado no mérito, em princípios e na lei.

Weber emprestou a razão à lei. O Estado terá objetivos e aplicará eficientemente os recursos disponíveis. Para isso, precisava de servidores públicos concursados, qualificados, promovidos por mérito e defensores da lei. Essa técnica estatal de gestão chegaria ao público, em forma de benefícios.

A teoria estruturalista deu importância às organizações dentro de um sistema maior, de interdependência, impondo uma condição nova para a interpretação da administração, inclusive pública. As organizações se inserem no ambiente onde estão postas e buscam atingir seus objetivos. Participam de um jogo complexo, além das formalidades normativas, da hierarquia e da gestão interna. As organizações, inclusive as públicas, são obrigadas a negociar seus objetivos com outros agentes. Se vão servir ao público é outra história.

Por mais boa vontade que apliquemos a teorias e exercícios de administração pública, é forçoso fazer uma observação de natureza geral: tratam o serviço público com uma abordagem referenciada nela própria. Sejam racionalistas, legalistas ou meritocráticas, cuidam de resolver os próprios problemas, os das instituições ou das burocracias. Por esse autorreferenciamento e ensimesmamento, apenas os dirigentes e os servidores ultrapassam as porteiras das agências públicas. Oferecem  ao público legalidade, racionalidade e meritocracia em troca de silêncio.

A definição de Hely Lopes Meirelles, de que “serviço público é todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade, ou simples conveniências do Estado” satisfaz, em tese. Tudo aquilo que atende necessidades essenciais é serviço público, claro, mas, como vimos desde o início deste artigo, preponderam as conveniências do Estado.

Servir ao público é uma arte que ultrapassa as obrigações de servir ao Estado. Há uma dicotomia, que não é falsa, entre os interesses visados. Sob a coberta de servir ao Estado, serve-se dele; de servir ao público, servir-se dele. Consumidos em seus próprios afazeres, as instituições e os servidores do Estado se esquecem de servir ao público. 

Mas essa não é uma manifestação universal de vontade. Muitas instituições e servidores querem servir ao público. Quais são os elementos, então, que nos deixam seguros, enquanto burocracias e instituições, de que estamos servindo ao público?

A menor parte de nossos afazeres deve ser dedicada às conveniências do Estado. Não se pode concentrar nelas, mesmo que não se fuja delas completamente. Nossas ações cairão em julgamento patriótico, se não defendermos o território e a soberania, dois elementos fundamentais da constituição do Estado. Basta oferecer-lhes, às conveniências do Estado, o mínimo. Fique certo, já será muito.

O terceiro elemento de constituição do Estado é o povo ou, na tradução deste artigo, o público. O quarto elemento, em contribuição de Dallari, é a finalidade.

Nas democracias modernas, a finalidade do Estado é o bem comum. Sendo a finalidade o bem comum, o público, certamente, será o maior beneficiário das ações do Estado. Os recursos de que dispõe o Estado estarão a serviço do bem comum, do público, e a burocracia deve manejá-los com esse propósito.

A perseguição ao bem comum, por ser conceito genérico, não traduz na totalidade o que é servir ao público. Outro conceito, o das funções do Estado, se soma aos elementos constitutivos para estabelecer uma melhor definição dos conceitos tratados neste artigo. A educação, a saúde, o planejamento do desenvolvimento sustentável e a segurança pública são exemplos de funções do Estado. Quando a burocracia não se perde em autodefesa e persegue o bem comum, remete às funções suas ações positivas. Deixa de servir às conveniências do Estado ou à generalidade do bem comum para estabelecer melhorias em saúde, educação, segurança pública.

Dar outro sentido à ação pública é cooperar com agentes desinteressados do crescimento do país em sua plenitude. Não há outro caminho à burocracia que não utilizar os meios do Estado, entendidos esses, exemplificadamente, como a tesouraria, o orçamento, os contratos e controles da administração pública, para gerar produtos e serviços destinados a servir ao público.

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