Como tem fome de gols e de bola, La Pulga deve jogar além dos 35 anos de idade, conduzindo uma carreira longeva que vai lhe permitir ser o primeiro jogador do futebol mundial, depois de Pelé, a fazer 1000 gols profissionalmente.
Pelé foi tão paradigmático que acabou desvelando a camisa 10 ao mundo. O melhor jogador de cada time, durante e depois da era Pelé, costuma vestir a camisa 10. Pelé era reserva em 1958 e o número 10 lhe caiu nas costas por mero acaso. Nele, no entanto, ela ganhou áurea, estirpe, brilho, fama.
Aí vêm os holandeses e surpreendem o mundo, vestindo a 14 em Cruyff. Para me atrapalhar ainda mais, os alemães vestem uma burocrática 5 em Beckembauer. Até meu enjoado Cruzeiro resolveu rabiscar o texto, escalando Tostão com a 8. No time azul, quem jogava com a 10 era Dirceu Lopes, um cracaço, mas não podemos comparar um e outro. Sócrates também jogava com a 8 no Corinthians e Falcão com a 5 no Internacional.
Como o mundo do futebol é gigantesco, somados clubes e seleções pátrias, mesmo os grandes exemplos são pequenas exceções. Logo depois, as coisas se arrumam com Zidane, Messi e Neymar, o 11 do Barcelona, mas 10 da Seleção Brasileira.
Zico, Pedro Rocha, Rivelino, Maradona, Baggio, Puskas, Platini, Eusébio e outros invadiam defesas adversárias e fuzilavam os goleiros, inapelavelmente, levando a camisa 10 nas costas.
Em breves períodos, centroavantes sombreiam a história da camisa 10 e assumem o protagonismo do futebol. São os fenômenos da área, como Romário, Ronaldo, Cristiano Ronaldo, Van Basten, Gerd Muller.
Nos últimos dez anos, o futebol experimenta uma batalha particular pelo título de melhor jogador do mundo entre um camisa 10 legítimo, herdeiro da confecção pelezina, e um centroavante completo, desses que saem da área a preparar a infiltração rumo ao gol ou lá permanecem para o arremate preciso, ora com a cabeça, ora com a perna direita, ora com a esquerda. Estamos falando de Messi e Cristiano Ronaldo, como não. Cristiano brilha como centroavante, é inegável. Mas a camisa 10 de Messi está nessa trilha particular do futebol marcada com os passos de Maradona, Zico e Pelé. Por mais títulos de melhor do mundo que tenha Cristiano Ronaldo, futebol contra futebol, não dá para comparar Messi e ele.
Messi deve ao porte franzino o apelido irrecusável de La Pulga. Seu drible curto e vertical levando de roldão a armada defensiva, culminando em gol, incomoda como uma zoada de muriçoca, que vai parar dentro do ouvido, na hora que queremos dormir. O zagueiro – ou os zagueiros, na maioria das vezes - tenta tomar-lhe a bola, chutá-la para longe, tocar seu tornozelo, desequilibrá-lo ou derrubá-lo com o objetivo de afastá-lo do gol e não tem êxito. Escapando de tapas e agressões, dando voltas na zaga, La Pulga vai encontrando os atalhos até chegar ao gol.
‘Messi parece jogador de videogame’, declarou Arsène Wenger, técnico do Arsenal, em momento de verve inspirada e de rara felicidade. Tal como o apelido insubstituível de La Pulga, é difícil encontrar metáfora melhor para o craque argentino. Seus dribles são repetitivos e daí, bem provável, vem a acusação. Sempre deixa os zagueiros para trás em movimentos de 30 a 50 centímetros. É um pequeno pedaço de grama que ocupa Messi, elevando a confiança dos zagueiros. Não há espaço para dribles, sequer para a bola, e os corpos, concluem eles, se submeterão à limitação da física. Qual nada! Messi sai inteiro, equilibrado e com a bola nos pés, pronto para ocupar outro espaço curto e a ultrapassar nova fila de zagueiros. No videogame, todos se parecem com Messi. Sendo a tela grande e o observador atento, pode se ver La Pulga em pessoa, arrasando os bonecos eletrônicos com suas jogadas reproduzidas mecanicamente, mas irresistíveis.
Pelé dominou toda a linguagem - que queremos traduzir aqui como o cardápio das possibilidades - do futebol com a perna direita, o peito e a cabeça. Não se concebe alguém ultrapassá-lo em maestria nos passes, dribles, chutes a gol, sejam os fortes e os colocados, ou domínio de bola, quando utilizava a perna direita. Nem tampouco outro jogador trazer a bola do peito ao chão com mais perfeição. Nem voar, parar no ar e cabecear em direção ao gol com mais arte e resultado. Mas não chegava aos pés de Messi quando bandeava a jogada para a perna esquerda.
Antigamente, acreditava-se que a linguagem da perna esquerda estava resumida aos feitos de Rivelino. Depois, veio Maradona e impôs outros recursos e a perna esquerda ganhou elogios diferentes. Acreditamos à época que, enfim, a perna esquerda havia conquistado as suas coordenadas definitivas.
Lamento, não foi. Messi está reescrevendo tudo e somente agora a perna esquerda se ligou no modo linguagem eterna. Seja no vídeogame que, juro, é ele em pessoa, ou nos campos pelo mundo.
Messi apareceu no futebol no Newell’s Old Boys aos sete anos de idade e foi terminar a infância no Barcelona. Estreou no time profissional com 16, marcou gol com 17 e, agora, aos 30 anos, é o recordista absoluto do Barcelona, com 507 gols, e pela Seleção Argentina, com 58.
Nesta temporada que se inicia agora, é provável que Messi ultrapasse os 600 gols na carreira como profissional. Como tem fome de gols e de bola, La Pulga deve jogar além dos 35 anos de idade, conduzindo uma carreira longeva que vai lhe permitir ser o primeiro jogador do futebol mundial, depois de Pelé, a fazer 1000 gols profissionalmente. Aliás, não creio que Messi saia dos campos sem essa marca. Vai acender a chama de melhor de todos os tempos, o que lhe agrada, mesmo sabendo que o renitente Pelé até empresta de vez em quando a coroa, mas nunca a entrega de vez.
La Pulga fez a fama com os 04 títulos da Champions League, 08 campeonatos espanhóis e 03 mundiais de clubes. Com a Seleção Argentina, em fase de seca de títulos, ostenta apenas o Olímpico de 2008, em Pequim. Foi vice-campeão na Copa do Mundo de 2014, tendo a chance de embalar o título com um chute cruzado com a perna esquerda, mas a bola foi para fora, e perdeu duas decisões de Copa América para o Chile, nos pênaltis. Da segunda vez, na Copa do Centenário nos Estados Unidos, chegou a perder o pênalti, o que o desanimou completamente:
- Se terminó para mí la selección.
Foi o melhor jogador do mundo em 2009, 2010, 2011, 2012 e 2015 e o maior artilheiro da história do futebol mundial em uma única temporada, marcando 91 gols em 2012. Tem cinco gols em Copas do Mundo, um em 2010, na África do Sul, e 04 no Brasil, em 2014. Sua média de gols no Barcelona é de 0,81 por partida, uma marca comparável a de Pelé (0,94), e na Seleção Argentina é de 0,49.
O gigante Messi já se acertou com a Argentina e promete dar muito trabalho na próxima Copa, na Rússia. Quem não viajar, verá tudo pela televisão. Ou vestir a camiseta eletrônica e disputar com ele no videogame.
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