Mila Gebran comeu todos os chocolates na infância e a sustância se completou com sucos naturais, geleias, inclusive de mirtilo, pães e bolos de toda sorte, inclusive os franceses, carnes dos melhores frigoríficos e, finalmente, grãos, os que fazem bem.
Estudou nos melhores colégios, os particulares, de São Paulo, e papai comprava tanto livro que se esparramavam pelo chão do seu quarto, pois a biblioteca da casa não comportava mais nenhum.
Logo cedo, teve que ajustar alguns dentes na boca, e a clínica escolhida trabalhou com esmero. Seu sorriso brota da boca com o mesmo acabamento que as pétalas mais perfeitas eram colhidas de seu jardim, cheio de trepadeiras, que assombreavam seu quarto, nas horas de sol e calor.
O curso de medicina na UNICAMP foi a aposta natural. Na família Gebran, ninguém guarda qualquer dúvida sobre o seu futuro. O consultório já está pronto, à espera da formatura.
Adelaide Silva nasceu para a fome, assim como seus irmãos. O corpo magricela carregava, frequentemente, abóbora, do quintal, e manga, da rua; uma farofa de carne, pouca, misturada com uma colher de arroz, cheia, fazia a alegria da prole de dona Matilde, aos domingos.
Não se deixou levar pelo esmorecimento, ainda que a vida pobre o justificasse.
“Negro deve ralar muito, Adelaide, e depois trabalhar para sempre”.
A escola, distante, chegava a pé. Caneta e lápis eram emprestados e os papeis que recolhia no caminho, grampeados e nas partes limpas, formavam o caderno.
Dormia nas aulas e a preguiça se revelou como etapa da fome, não comportamento. Advertências e suspensões foram substituída por compreensão da diretoria da escola, liderada pela gorda Filomena.
Uma pessoa boa, a sisuda Filomena.
Quem sabe Adelaide deve algo a ela, agora que virou quotista de medicina, colorindo com sua pele preta, igual a de muitos rapazes e moças, as salas de aula da UNICAMP.
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