A bola não vai de pé em pé se o dinheiro vai de mão em mão.
Os ingleses inventaram o futebol e se apegaram tanto ao feito que desprezaram as primeiras Copas do Mundo, realizadas no Uruguai, na França e na Itália. Antes que um gesto de soberba, eles consideraram natural que a Inglaterra fosse a ‘campeã’, independentemente de participar ou não de qualquer disputa.
Correram atrás do prejuízo em 1950, no Brasil, mas, como se as traves, as dimensões do campo e os gramados dos torneios mundiais fossem diferentes daqueles das terras da Rainha, perderam para os norte-americanos, naquela que é conhecida como a maior zebra da história dos mundiais.
Zebra? Discordo! O mecânico do time americano colocou os ingleses na roda; o carteiro fugiu dos cachorros ingleses o tempo todo e o professor ensinou humildade. Ao final, coube ao lavador de pratos o único gol do jogo e ao motorista da funerária encerrar o caixão inglês.
Os profissionais ingleses, contam os livros, jamais se recuperaram do trauma e estão ainda atordoados. Nunca mais foram bem em uma Copa. 1966, não conta. Já havia um aviso prévio: ninguém sairia da Inglaterra se eles não ganhassem a Copa. E, mais, os norte-americanos não podiam nem aparecer por lá, face à desfeita. Eles entregariam os Estados Unidos para o México, se os ianques insistissem em aparecer em Londres.
Lógico que não é esse determinismo forjado por esta crônica, anti-inglês, que explica a falta de novos títulos mundiais da Inglaterra. Mas está claro que eles nunca se recuperaram. Vão às copas, às vezes, com timaço, mas sempre a passeio, aceitando derrotas sem luta, sendo eliminados por equipes de segundo nível de futebol ou em circunstâncias inaceitáveis. Em 2002, o Brasil com um jogador a menos, devido à expulsão de Ronaldinho Gaúcho, dominou o jogo contra os ingleses, que não lutaram, não marcaram, não apertaram e nem chutaram. Jogaram sem pretensão e, assim, não se ganha de ninguém.
Incrível. Vão às Copas como se participassem de um desfile para prestigiar a carruagem da rainha deles. Desse jeito, nunca mais serão campeões do mundo.
Essa introdução à inglesa, não é à toa, serve para a abertura de um outro ponto, aqui na seara tupiniquim.
Quais traumas impedem o Brasil de ser hexacampeão mundial? Como os ingleses, estamos determinados às frustrações futebolísticas de agora em diante? O hexa se foi para sempre?
Aos fatos.
Fora de campo, o futebol europeu, salvo exceções, é superprofissional. As seleções são organizadas desde a base. As próprias federações nacionais mantêm equipes atuando o ano inteiro, em várias faixas etárias, com centros de treinamento e serviços equiparados aos ofertados pelos grandes clubes europeus aos seus elencos profissionais.
Os treinadores, inclusive da base, passam por escolas rigorosas de capacitação, envolvendo aspectos morais, psicológicos, técnicos, táticos e, organizacionais.
As ricas federações nacionais despejam dinheiro nesses projetos, que dialogam com o futuro.
Os clubes funcionam em ligas estruturadas e as federações cuidam das seleções nacionais em todas as faixas etárias.
No Brasil, a CBF cuida de todos os campeonatos e é titular de todos os direitos sobre o futebol brasileiro. Suas eleições são viciadas, pois têm como base um modelo de valoração viciado. O voto do Flamengo vale o mesmo que o voto do Olaria na eleição da Federação Carioca e o voto da Federação Carioca vale o mesmo que o voto da Federação Piauiense nas eleições para a CBF. Na prática, o voto do Flamengo do Piauí vale o mesmo que o voto do Flamengo do Rio de Janeiro na definição sobre os destinos do futebol brasileiro.
Como resultado, um dos grandes patrimônios brasileiros, o futebol, é dirigido por uma turma da pesada, que compra votos na base do futebol (os pequenos clubes) com recursos sujos de toda ordem. A direção da CBF, que deveria ter história tão inquestionável como um colegiado do Supremo Tribunal Federal, é uma completa desconhecida, tanto do torcedor quanto da crônica esportiva. Ninguém fala desse povo e ninguém sabe o que ele anda fazendo agora, neste momento.
Esse modelo político-eleitoral centralizado serve aos favores, negociatas e relações prostituídas entre dirigentes, e não ao futebol. Dirigentes de baixíssima relação com o mundo do futebol se apropriam da bola e das camisas (os mantos, como veneram as torcidas) para o enriquecimento próprio e fruição do poder vilmente conquistado.
É impressionante como todo dirigente de grande clube precisa vender e comprar jogadores caros. O dinheiro que entra ou sai transita por intermediações que, de forma indireta, volta aos dirigentes, ficando registrados nos balanços dos clubes os déficits da malandragem engendrada.
Ao mesmo tempo, os clubes médios, como Vitória e Bahia, têm sempre uns medalhões recebendo três a quatro vezes o que merecem. Se o seu time é jovem e barato, quem vai pagar a conta da intermediação? Como tirar um naco de um salário de cinquenta mil reais? Para responder às perguntas, os dirigentes contratam medalhões, com salários de mais de trezentos mil reais. Dali, sai um caldo.
Já os pequenos, não podem pagar nem receber nada relevante, restando a eles receberem favores da cúpula do futebol (federações estaduais e CBF) como retribuição à sustentação que emprestam ao modelo centralizado de gestão do futebol brasileiro ora existente.
A CBF e as federações, pelo menos as principais, são ricas e, pobres, os clubes. Para fazerem caixa, os clubes vendem seus jogadores ainda na infância do futebol, casos recentes de Vinícius Júnior, do Flamengo, e Rodrygo, do Santos.
Como pode ser campeão um futebol que tem a engrenagem lubrificada por dinheiro sujo, que é resultado de negócios escusos entre dirigentes com pouca ou nenhuma ligação com o futebol? A bola não vai de pé em pé se o dinheiro vai de mão em mão.
Os recursos que deveriam financiar as estruturas para que os garotos desenvolvam seu futebol e se preparem para os desafios da carreira, inclusive quando vestirem a camisa dos selecionados nacionais, são desviados para a sustentação do modelo centralizado na CBF e nas federações. Isso não se parece com o cheirinho ... o cheirinho de que o hexa se foi para sempre?
No campo de jogo, o futebol brasileiro enfrenta outros adversários.
A Europa desenvolveu seu futebol nos últimos tempos, enxergando o campo de jogo como a ocupação de um território em guerra. Onde antes se espalhavam 22 atletas, sendo dois fixos (os goleiros), hoje serve a laboratório e ciência, uma disputa territorial, como numa guerra. Força, velocidade e dissimulação (Sun Tzu) são tecnologias de guerra aplicadas ao campo de jogo. Tal revolução já ocorreu com o futebol de salão há muito tempo. O espaço pequeno dos jogos disputados ‘em salão’ já criava a condição propícia ao desenvolvimento de tecnologias de uso do espaço e do tempo, da força, da velocidade e da dissimulação. Essas tecnologias se refletem em planos táticos e técnicos extraordinários e, muitas vezes, surpreendentes.
Com o avanço físico dos atletas, esses conceitos foram se incorporando à realidade do futebol de campo na Europa e estão demorando a chegar ao Brasil (e à América do Sul, diga-se de passagem). Esse atraso pode punir o Brasil e gerações de jogadores brasileiros, que ficarão sem títulos mundiais ou, atraso gerando atraso, determinando fracassos num horizonte de tempo impossível de calcular.
Quem acerta o plano tático e técnico do jogo derrota o adversário e, às vezes, esmaga-o, como se ele fosse um inimigo doente em combate de guerra. São cada vez mais comuns as goleadas entre grandes competidores. Jogos entre Brasil e Alemanha ou Espanha e Holanda terminam em placares elásticos, porque um acertou e o outro errou a mão do jogo. O território foi entregue facilmente a um adversário, ou inimigo, que acertou na força, na velocidade e na dissimulação (essas referências se evidenciam, a olhos leigos, em planos táticos e técnicos).
Na Europa, os atletas, ainda jovens, apreendem conceitos modernos de tempo e espaço, incluindo posicionamento defensivo e ofensivo, velocidade (a força empregada para impulsionar) e direção da bola, seu controle, o passe curto, médio e longo. São aulas sobre a linguagem do futebol. Ninguém chega ao elenco profissional sem noções básicas, técnicas e táticas. Vários atletas chegam ao profissionalismo no Brasil e ainda se perdem em campo, longe do espaço que devem ocupar e chegando atrasados nas jogadas.
Precisamos atacar os problemas oriundos da gestão do futebol, mas, também, fazer uma revolução nos conceitos táticos e técnicos que estão sendo empregados dentro do campo.
Cuidado, Hexa, se não você se tornará um fantasma. Ou motivo de piada.
Piada? Já não bastam nossos problemas com Neymar?
E o 7 a 1?
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