Você está no meio da estrada, pensando na dívida do setor público. De repente, a estrada se abre em três pistas. Pegando o caminho mais à esquerda, você reduz os juros. Pelo caminho mais à direita, você fecha as escolas, suspende a comida dos doentes nos hospitais, dos presos nas penitenciárias e dos bichos nos zoológicos; libera a fronteira ao tráfico e deixa as florestas à própria sorte. Seguindo reto, a estrada leva um jeitão de crescimento, as placas sinalizando financiamento, investimento e consumo. Qualquer que seja sua escolha, a dívida cai. Agora, me explique: por que escolhemos o caminho da direita, justamente a pista mais esburacada?
Quando criança, você é obrigado a acreditar apenas em papai Noel. Quando fica adulto, é obrigado a acreditar em tanta coisa!
A mais recente é a de que o Brasil quebrou. A evidência é a explosão roliudiana da dívida bruta e da dívida líquida. A conseqüência é a emenda constitucional de contenção das despesas públicas pelos próximos vinte anos.
A nova régua do gasto público vale para saúde, educação, segurança, comida de preso e de animal no zoológico, preservação da Amazônia, combate ao contrabando e ao tráfico, defesa da fronteira e defesa civil e demais itens de banalidades dispendiosas que, ao fim e ao cabo, não trazem preocupação a seu ninguém. Durante os próximos vinte anos, aconteça o que acontecer, a prioridade é não gastar.
Tomando a dívida bruta como origem dessa irracionalidade, darei dois tocos nela. O primeiro é nossa reserva em dólar. Temos 375 bilhões de dólares em reserva. Peguem a calculadora. Multiplicando 375 X 3 (taxa atual de câmbio), dá R$ 1,1 trilhão. Significa que R$ 1,1 trilhão da nossa dívida bruta é, em verdade, uma reserva em dólar. Nosso PIB em 2016 ficou em R$ 6,1 trilhões. Temos, então, que 18% de nossa dívida bruta descomunal de 72,5% do PIB é, em verdade, uma reserva. 72,5 menos 18 é igual a 54,5.
O segundo toco são as operações de crédito com os bancos públicos, que são devedores do Tesouro. Para os que dizem “ah, mas esse povo não vai pagar nunca”, sugiro pegarem as notinhas recentes dos jornais sobre a devolução de R$ 100 bilhões do BNDES ao Tesouro Nacional. Essas operações correspondem hoje a 9% do PIB. Se a dívida estava em 54,5%, noves fora, já caiu para 45,5% do PIB.
Poderíamos até aparecer aqui com um terceiro toco, que são as operações do BACEN para retirar liquidez do mercado, que, ao contrário de outros países, também contabilizamos na dívida bruta, mas é uma explicação longa demais.
Então, em verdade, podemos tratar apenas da dívida líquida, porque essa dívida bruta é assunto recente, uma aberração oportunista de contador iletrado, jogando luz sobre o passivo e escondendo os ativos (dólares, créditos etc).
Nossa dívida líquida deve ter fechado 2016 entre 45 e 46% do PIB. Significa que nosso cálculo aí em cima está batendo e podemos ficar apenas na tecla da dívida líquida.
Se a dívida líquida fechar 2016 em 46% do PIB, só podemos dizer que é ‘explosiva’ se submetida ao chicote da comparação. Então, vamos lá. Em 2002, a dívida líquida ultrapassava 50% do PIB. Em 2006, ela alcançou 46,5% do PIB. Em dez anos, ‘explodiu’ de 46,5% para 46%. Tomei uma série mais longa porque ela ajuda na precisão das medidas corretivas.
Em períodos de crescimento do PIB (o denominador) a tendência é cair a dívida (o numerador). Em períodos de recessão ocorre o contrário. Isso justifica a queda vertiginosa da dívida líquida nos últimos dez anos antes da recessão recente e sua expansão nos últimos três. Esse movimento pode ser conferido na página eletrônica da Agência Central de Inteligência (CIA) do EUA e o exemplo pode ser a dívida americana. A dívida oscilou no Brasil e no mundo muito mais com os movimentos do crescimento e da recessão que com medidas fiscais.
Então, ao invés de reduzirmos os alimentos das cobras do zoológico ou as merendas das crianças nas creches, o melhor é trabalhar um pouquinho pelo crescimento.
E aí não há segredo: é investimento, inclusive público, financiamento e consumo. Algo como seguir em frente e não viajar à direita, muito menos em sentido contrário.